31 de janeiro de 2006

Who Let the Dogs Out??


Uma das mais importantes teorias artísticas do século XX é com certeza a do Teatro Épico, formulada pelo alemão Bertolt Brecht, ao longo do seu trabalho como escritor e encenador. Numa agonia infinita por um Teatro não ilusionista, um Teatro que tirasse o público de seu sono alienador, Brecht parece pôr no centro de sua poética a idéia de distanciamento. O efeito de distanciamento era empregado, grosso modo, para que o público não se iludisse pela cena: uma vez que estivesse arrebatado emocionalmente pela representação não poderia pensar a obra criticamente, avaliar as posições sociais e situações representadas.

Não se pode negar, no entanto, que o distanciamento em si já existia antes de Brecht. O que ele fez foi dar forma a esta idéia a partir de amplo trabalho em que transformou o que chamamos hoje de distanciamento num conceito mais determinado e referenciado por uma prática concisa. Os princípios do Teatro Épico foram se inserindo pouco a pouco nas proposições de outros artistas desde o trabalho Brecht. E não foi diferente no cinema.
Em Dogville, vemos o distanciamento como alimento dessa gana por um cinema de maior provocação. A ousada concepção de Lars Von Trier aqui se difere radicalmente de seus filmes anteriores ao adotar uma atmosfera mais teatral. Se em Ondas do Destino ou Dançando no Escuro ele provocava as identificações mais que viscerais na platéia, em Dogville, Von Trier nos ataca pela via mais cerebral. Ele nos coloca como espectadores de uma curiosa cidade de mentira e nos faz testemunhar esta cidade com olhos analisadores. Tudo isto se torna possível pelo fato de Von Trier usar e abusar dos recursos de distanciamento. Ele mesmo declara a inspiração nas montagens do Berliner Ensamble que assistira quando pequeno. A opção por um cenário sem paredes, por exemplo, que simula uma planta baixa e insere apenas os objetos ou mobílias primordiais à cena, nos incita a uma percepção narrativa dos acontecimentos. Eles não sucedem ali numa linha dramática comum, e sim, ficam sugeridos ao nosso imaginário. O distanciamento aqui surge como ferramenta essencial na criação de um filme de provocação cerebral, quase por completo. As reações a cada cena nos surgem como descargas cerebrais. Quase nunca uma reação puramente íntima, no sentido visceral, nunca uma reação de cega identificação. Quase nunca uma sensação de espera por uma resolução.

Dogville avança na linha de frente de um cinema amplamente contestador, e seu mentor, o Sr. Von Trier, dá forma a um cinema (ainda mais) épico, quase como se criasse um gênero, remexendo no teatro de Brecht pra cutucar também a ferida de um cinema que, segundo dizem, está em vias de acabar.
Von Trier solta os cachorros ao nos provocar o olhar pra uma situação onde somos, ao mesmo tempo, testemunhas e cúmplices. Somos colocados na platéia de uma cidade que praticamente não está ali. Dogville é uma mentira. É a metáfora de uma cidade familiar e seus cachorros, e Von Trier faz questão de mostrar, quadro a quadro, que tudo não passa de representação. É como se nos colocasse num tabuleiro de xadrez, escolhendo qual peça somos em cada momento e como podemos manipular certos acontecimentos a nossa volta pelo simples fato de pensarmos neles. No tabuleiro de Dogville, podemos escolher se somos a rainha, o peão, o cavalo, o bispo ... ou cachorro.
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Obs: Esse texto é um trecho de uma resenha escrita pra Disciplina de Interpretação III, do CEART/UDESC, discplina em que estivemos estudando a interpretação a-la-Brecht.

29 de janeiro de 2006

Não Basta ser Pai...


Woody Allen é o clown dos clowns, com o perdão da palavra. Como podemos acreditar sempre em seus personagens, personas que pouco se diferenciam de sua composição real? A cada filme, Allen é um personagem que não tem outro corpo, nem outra voz. Tampouco se distancia do que parece ser a sua pessoa. A idéia de um não-personagem, de um clown, ou, seja lá o que chamemos no teatro, tem seu equivalente cinematográfico em Woody Allen.

Mas ele é antes de qualquer coisa um dos grandes diretores da contemporaneidade. Sua extensa filmografia inclui clássicos e cults como Bananas (1971), Tudo que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo e Tinha Medo de Perguntar (1972), A Última Noite de Boris Grushenko (1975), Neurótico, Noiva Nervosa (1977), A Rosa Púrpura do Cairo (1985), Hannah e suas Irmãs (1986), e mais recentemente Tiros na Broadway (1994), Todos dizem eu te amo (1996) e Desconstruindo Harry (1997).
Em Poderosa Afrodite (1994), vemos Allen esbanjando inteligência no melhor de se humor. Na trama, ele é um escritor que resolve conhecer a mãe biológica de seu filho adotivo. A imagem que ele procura não é exatamente compatível com a imagem real: a prostituta e atriz pornô Linda Ash (Mira Sorvino, na impagável performance que a tirou do anonimato), e passa a querer dar a ela uma vida mais digna, arquitetando encontros românticos para a moça, entre outras empreitadas patéticas. Ele tenta lhe arrumar um bom moço (um boxeador) e chega a inventar uma vida perfeita para a Linda. Mas como transformar a deusa da fertilidade numa dona de casa? Que fazer com seu cinturão mágico que seduz mortais e imortais?

A utilização dos mitos gregos dá o charme desta comédia de Allen. Como não comentar a utilização do referencial de uma tragédia como Édipo, para tratar dos dilemas da paternidade nos dias de hoje? O que não faz um pai para construir uma história perfeita para seu filho? Ao remendar a vida da progenitora de seu herdeiro, o escritor lança mão da catástrofe de sua vida atual, um casamento diante de uma crise que ele parece nem perceber.

É basicamente na costura da história e nos referenciais mitológicos e trágicos que Allen consegue ser mais feliz. Ao inserir o coro grego como comentarista das cenas, o diretor não poupa farpa: inteligência e non sense em seu melhor estado (como de hábito).

No entanto, Allen parece ainda mais sábio quando pensamos no porque de seu clown. É impressionante a empatia de seus personagens, o que confere não somente a graça de seus filmes, mas o tom de humanidade. É essa humanidade que não deixa seus filmes caírem na vala comum das comédias americanas, falando aqui de forma geral. É no tom patético de suas personagens que ele traz à tona a humanidade das suas bizarrices. Allen recorre aqui ao mitológico, mas não deixa de falar de gente comum. Não parece haver nada mais catártico* (com o perdão da palavra) e trágico que isso.
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* De catarse, que tem a ver, grosso modo, (Aristóteles que me perdõe) com a identificação espectador-tragédia.
Obs: Este texto foi originalmente escrito para a disciplina de Estética Teatral I

28 de janeiro de 2006

Os Melhores de 2005


Todo mundo reclama que eu não atualizo isso aqui, então vai um primeiro de 2006:

Agora Sim ... os 10 melhores filmes de 2005, ou melhor... que eu vi em 2005! Não tá em ordem de importância, ok?

CLOSER - PERTO DEMAIS, de Mike Nichols
(Estados Unidos / Reino Unido)

e ANTES DO PÔR DO SOL, de Richard Linklater
(França / Estados Unidos)

... dois romances pra lá de maduros que não poupam nos diálogos e atuações. Enfim o cinema volta a apostar nos romances sobre adultos, mas para adultos.

BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS
de Michel Gondry (Estados Unidos)

CASA VAZIA, de Kim Ki-Duk (Coréia do Sul)

MANDERLAY, de Lars Von Trier
(Estados Unidos)

... porque o cinema não pára de reinventar, seja pela busca de outras estéticas, ou pela reafirmação de uma poética própria, ou mesmo pela simples inquietação colocada em cena de modos menos tradicionais ... esses três filmes são exemplos disso.

LES CHORISTES - A VOZ DO CORAÇÃO
de Christophe Barratier (França)
e
VALENTIM de Alejandro Agresti (Argentina)

... porque ainda há espaço para os filmes tradicionais, emocionantes, mas, que não precisam apelar para as lágrimas fáceis!

O OUTRO LADO DA RUA de Marcos Bernstein (Brasil)
e
A VIDA DE DAVID GALE de Alan Parker (Estados Unidos)

... porque ser híbrido no gênero é muito inquietante. E porque reverter as expectativas de quem assiste um filme, é tarefa de quem sabe fazer cinema!

A NOIVA CADÁVER de Tim Burton (Estados Unidos)
... porque Tim Burton é o cara, e pronto!