31 de julho de 2010

drowning...


“Há quinze anos fui engolido por ondas gigantescas, sendo salvo por surfistas, a quem devo eterna gratidão. A última imagem que vi foi a de um filme, projetado como nos tempos de infância, em que as legendas desafiavam um garoto quase iletrado, que teve acesso à literatura por intermédio do cinema.

Naquele tempo, essas eram palavras ‘náufragas’ porque escapavam ao olho, boiando na superfície da tela por força da precária técnica de legendas. Confirmei, anos mais tarde, que a palavra, no cinema, é sempre ‘náufraga’. Espera que alguém a salve da tragédia de ser apenas apêndice da imagem. A palavra, como sinônimo da ação criadora, não deveria mesmo estar subordinada à força produtora dos homens.

No entanto, o cinema, como mito temporal, resulta de uma história em que a luz livra-se das trevas, não por vontade de Lumiére, mas de uma força infinitamente mais poderosa. É impossível renunciar à memória do fiat lux primordial, porque a palavra, apesar de náufraga, é sagrada. Ao contrário do que defendia Mallarmé, o mundo não existe para chegar a um livro. Ele é só um livro à espera de conclusão."

Antônio Gonçalves Filho "A Palavra Náufraga"