Ang Lee é um homem que sabe da
arte de viver (este é inclusive o nome de um de seus filmes). Dono de um olhar perspicaz e de uma inteligência só sua, este taiwanês já realizou belíssimos filmes que nos mostram sua cultura de forma deliciosa. Suas saídas de Taiwan, no entanto, renderam filmes magníficos como "Razão e Sensibilidade" (1995) ou "Tempestade de Gelo" (1996), filmes em que Lee exercita um olhar oriental sobre histórias do ocidente. Em "Razão..."ele equilibra os dois sentimentos do título numa trama novelesca (muito bem escrita) que se abrilhanta por seu olhar incomum, e pela precisa direção de atores (marca registrada desse sujeito). Lee lança sua mirada oriental sobre a mulher da era vitoriana e cria um filme ácido e apaixonante. Já em "Tempestade de Gelo" põe a mão áspera sobre uma trama familiar iquietante. Como apagar da memória a cena em que Christina Richi e Elijah Wood transam usando máscaras de Nixon? É a sexualidade posta à prova numa América à beira do colapso... à beira da tempestade.
Essa alquimia de Lee pode ser conferida mais uma vez em "O Segredo de Brokeback Mountain", filme taxado de um "...E o Vento Levou" gay ... comentário que todos deveriam esquecer. O filme é muito mais que esse adjetivo que não passa de um rótulo besta. O filme narra o amor secreto entre dois cowboys durante vinte anos numa sociedade mais conservadora do que a que já conhecemos. A metáfora já de cara instigante: o sentimento sublime nos cowboys brutais num mundo interiorano (onde esse amor é muito mais que impossível). Ang Lee combina magistralmente estes dois elementos: o sublime e o brutal num filme que escapa (na maior parte do tempo) dos clichês. O roteiro vai melhor de argumento que de diálogo em si. Alguns diálogos chegam a ser meio xulos de tão vazios. Vazios de sentido, pois boa parte das cenas não precisam de uma palavra. É mais uma vez a direção de Lee que salta aos olhos, em especial a direção de atores. Lee é mestre não só em extrair boas atuações mas em achar a melhor respiração da cena. Cada ângulo é preciosamente humano. O que sobra em "Brokeback..." é de fato o roteiro que cisma em explicar mais do que o diretor e os atores já dão conta de fazer. Não deixa de ser uma bela história, e muito bem contada.
Belas atuações, em especial a de Heath Ledger em performance contida e instigante. Edição e Fotografia vigorosas. E, que trilha sonora, hein??!! E Ang Lee que é sempre apaixonante: enche de vida cada segundo desse filme. Não consegue sanar tudo neste roteiro irregular, mas nos oferece um filme recheadode vida e de sua alquimia pouco comum. Ao nos exibir esse
amor de macho ele nos mostra o quanto não cabemos nesse mundo tão pequeno, e de como não sabemos das inúmeras faces que um mesmo sentimento pode ter. Saí do cinema me sentindo burro. Porque o dicionário diz que o amor é "isso" ou "aquilo". Tem que ser muito macho nesse mundo pequeno, preconceituoso, quadrado, e cheio de rótulos bestas. Viva Ang Lee!