13 de janeiro de 2007

Diário Catarinense, 13 de Janeiro de 2007
Caderno de Cultura


Metodologia para Monólogos
A lógica do trato no meio político é a velha diplomacia acadêmica, que nos permite o desvio dos diálogos francos em prol da sobrevivência nos cargos


por DANIEL OLIVETTO *

Há pouco mais de 15 dias, o diretor geral da Fundação Catarinense de Cultura, Edson Busch Machado, deixou registrada na imprensa catarinense mais uma de suas belas falas sobre a cultura de nosso Estado, novamente se defendendo das diversas críticas feitas pelos artistas catarinenses, carinhosamente tratados, naquela entrevista por "pequenos grupos tóxicos", apelido que já começa a virar jargão entre a referida classe. Busch Machado sempre foi um homem de palavras muito bem articuladas, e na entrevista concedida ao Diário Catarinense, intitulada Diálogo tem que ser a meta, por um momento cheguei a duvidar de tudo o que vi e ouvi nos últimos quatro anos em que me uni cada vez mais ao grupo tóxico mencionado.

Como atesta o escritor Fábio Brüggemann, no artigo publicado em 30/12 no DC (Grupos tóxicos: eu faço parte), o que mais chama a atenção na entrevista de Busch Machado é a habilidade da argumentação e o tipo de relação que o entrevistado estabelece com temas polêmicos das discussões junto à Frente em Defesa da Cultura, temas que, na entrevista, são habilmente colocados de lado em prol de um discurso sobre as boas ações da FCC.

Na entrevista, somos obrigados a engolir a defesa de artistas como Márcia Mell ou Juarez Machado, entre outros ilustres na constelação catarina, além de aceitar a legalidade atribuída ao meio milhão de reais da porcelana finíssima de Vera Fischer. Parece irônico atribuir tanta defesa a artistas como estes e tanta legalidade a um projeto tão criticado, e que infringe regras básicas para a aprovação de um projeto junto à Lei Estadual de Incentivo à Cultura, aspecto já discutido em outras entrevistas e críticas que sucederam o ocorrido. Ironia fina de quem sabe argumentar diplomaticamente. O entrevistado argumenta, ainda, que "não é papel do conselho fazer uma avaliação de todos os projetos aprovados, qual a sua importância e o que acrescentam". Eu pergunto: como avaliar, então, um projeto cultural coerentemente se estas diretrizes são ignoradas?

Busch Machado menciona um aumento percentual na produção de espetáculos artísticos em SC por interferência da última administração. Entretanto, se traçarmos um breve paralelo entre a quantidade de espetáculos artísticos produzida nos últimos quatro anos e o número de projetos deste gênero aprovado na lei estadual, me parece pouco provável que este aumento de 130% se deva aos recursos e benefícios que a FCC viabiliza. Não quero afirmar que a Lei Estadual seja inútil, pois, como artista, reconheço que ela ainda viabiliza, por suas vias tortas, projetos importantes, porém, o percentual apresentado parece fantasioso. Vale lembrar que nos últimos anos a produção cultural catarinense tem apresentado, sim, um grande aumento não só no número de espetáculos artísticos produzidos, mas no número de filmes, exposições, livros, e CDs lançados neste período, porém, creio ser mais coerente atribuir tal crescimento à autogestão dos artistas e produtores do Estado e ao aporte de editais como os da Funarte, Petrobras e do MinC, entre outras formas de incentivo. Desculpem-me pela franqueza, mas é, no mínimo, incoerente atribuir à FCC tantos méritos.

Quando menciona o necessário retorno de uma secretaria específica para a cultura, a fala de Machado chega ao seu melhor momento. É como se o entrevistado esquecesse tudo o que os grupos tóxicos vinham alertando sobre a dissolução do único órgão representante da cultura em instâncias gerais, que misturam cultura, lazer, esporte e o que mais couber no mesmo balaio. O diretor da FCC usa rebuscada linguagem neste trecho da entrevista quando quer simplesmente dizer: "pois é... isto, surpreendentemente, não deu certo". Nada disso é surpreendente. Os grupos tóxicos já falavam, há muito, sobre a problemática desta política de balaio. Quando o diálogo é a meta, a probabilidade de um deslize é sempre menor! Nos últimos anos, a falta de diálogo entre administração estadual e a classe artística é uma reclamação constante por parte dos grupos tóxicos. De que diálogo estamos falando? O diálogo no Fórum Catarinensidades? Como se pode atribuir tanta importância a um diálogo que se dá num espaço tão pequeno? E todas as outras manifestações, documentos tóxicos e pedidos de audiências, como bem lembra Brüggemann em seu artigo? O mais difícil, nisso tudo, é ter de engolir a capacidade dos amigos da política em articular belos discursos que, por sinal, fazem mais que prometer, pois, promessa já virou clichê há muito. O bom discurso político é de uma verossimilhança invejável e esconde, habilmente, tudo o que já foi dito sobre o assunto em questão. A lógica do trato neste meio é a velha diplomacia acadêmica, que nos permite o desvio dos diálogos francos, escondendo um probleminha aqui, outro acolá, em prol da sobrevivência de tantos postos e cargos. A diplomacia é um método imbatível e (reconheçamos!) - muito sofisticado.

As belas palavras de Busch Machado transformam a reivindicação de um diálogo real numa exigência subjetiva de "uns pequenos grupos tóxicos", aqueles que nas últimas eleições eram chamados, por alguns colegas da imprensa, de "os 11", como se a insatisfação com a atual administração significasse campanha para outro candidato, o 11. É o velho e imortal mecanismo da boa fala! Cada vez mais aprendemos a argumentar de forma eficiente, especializando-nos em ocultar os assuntos que não interessam ao nosso argumento. Não é diferente na política, onde belos palavreados escondem anos de discussão, escondem pancadarias, criam fachadas de um Estado de grande proliferação cultural e incentivo, saúde, empregos, etc. Método brilhante este: o de falar escondendo o que é de projeção menor. Num país cuja política é repleta de jargões, como "eu desconheço este fato", "eu desconheço tal acusação" - aquela medida desesperada de quem não vê mais solução nas normas diplomáticas -, fica difícil acreditar no diálogo como meta política. Os grupos tóxicos querem o diálogo real, frente a frente, e não um solilóquio diplomático. Até aqui, o diálogo não foi meta nem plano B. Até aqui (mais uma vez citando Brüggemann) é tudo monólogo!
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* Ator, diretor teatral e educador, integra a Cia Experimentus Teatrais de Itajaí, graduando em Artes Cênicas no Ceart/Udesc

Um comentário:

Anônimo disse...
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