Fico puto quando as pessoas dizem que somos atores na vida. Ator é uma profissão, vamos combinar isso. Uma profissão difícil e decente como muitas outras. Mas sob o argumento de que o ofício do ator é o fingimento, algumas cabeças pouco esclarecidas cismam em atribuir seus fingimentos do cotidiano à boa e velha arte da vida. "A vida não é uma arte, é uma cópia mal feita da arte", não lembro quem disse isso, mas boto fé! A diferença - se é que dá pra ser tão objetivo - é que a arte lida mais com a ficção do que a vida. Na vida há mais representação, mais fingimento. Na arte, a busca é sempre por algo verdadeiro, orgânico, vivo, sincero, dentro de uma lógica que se supõe ser fictícia (quase sempre). O cotidiano é o espaço do fingimento, e atuar não é fingir, é ser o que se é de verdade, por isso, é tão difícil atuar bem. Sempre gostei de dizer: "não atuo nas horas vagas. Quando paro de trabalhar eu sou eu mesmo"... já não concordo mais com isso. Acho pura besteira de ator babaca. Acho que no cotidiano, nessa vida maluca de múltiplas funções, papéis, âmbitos, etc, fingimos mais, somos falsos mesmo. Maus atores. A ficção que se põe em cena busca por meio do ator ser sempre uma verdade e a verdade que representamos no cotidiano é quase sempre mentira. Eu finjo que estou preocupado com tudo, que sou simpático, que me acho atraente, que estou seguro, que adoro a minha vida, que sou inatingível. Você alguma vez já foi minha platéia, mesmo que eu não soubesse. Mas, me desculpem: eu finjo mal. Eu choro escondido, eu tenho medo de ficar sozinho, eu não sei dizer o que eu penso, eu atraso o abraço e perco a chance de um contato real, eu perco chances de dizer as coisas certas porque tenho medo me verem mesmo, eu preciso que me digam o quanto eu sou legal, o quanto eu sou útil. Eu sou uma mentira bem fuleira. Nem eu mesmo me convenço. Quando atuo por ofício, acho que consigo ser melhorzinho. É que eu preciso da boa ficção pra tentar ser real.