31 de agosto de 2011

Tem ator saindo pelo ralo! Corram para as montanhas!



Quando eu era pequeno, e estava compenetrado em afazeres de criança, aqueles sempre urgentes e importantíssimos, como salvar um gatinho no telhado, descobrir como funciona uma batedeira, ou brigar por causa de um he-man, ou algo do gênero, vovó já dizia: “está fazendo arte, né menino?”... uma concepção meio católica de arte, esse negócio misterioso que foge dos padrões dos bons modos e da moral, um tipo de pensamento que deve ter ajudado (e muito) a criar essa ideia de que artista é tudo "porra-louca". Se naqueles tempos você perguntasse pra minha avó "o que é arte?", ela ia dizer que "arte é bagunça".

Além disso, costuma-se usar o termo "arte" para tudo: “ a arte da conquista”, "a arte da malandragem”, “a arte da gastronomia”, “a arte da boa fala”, “a arte do futebol”... Encontrar parâmetros concretos para definir o que é ou não arte sempre foi algo muito complicado (e às vezes, insalubre). Se tudo é arte, minha avó estava certa: virou bagunça mesmo!

Também as definições sobre "o que é um ator" caíram nesse lugar onde cabe tudo. Com algumas discussões que vem da psicanálise (a qual o teatro deve muito, mas isso é um outro assunto mais extenso) e outras tantas reflexões que se apropriam de princípios dramáticos para falar sobre o quanto nossa vida é permeada pela atuação, a discussão sobre a representação na “vida real” se tornou cada vez mais presente. Basta pensar nos rituais cívicos, como cerimônias de casamento, ou nas festividades como o carnaval (no qual a representação é permitida em seu extremo por alguns dias), que a gente vai percebendo o quanto o assunto é delicado. Mas, me desculpem: é sempre irritante ter que ouvir alguém dizer “todos nós somos um pouco atores”. Tudo bem! Todos nós representamos no cotidiano, logo, somos atores de uma situação, o que não significa ser um ator como artista

Depois que a sociologia resolveu – talvez até por motivos muito nobres – usar o termo “ator social”, a vida de um ator de profissão virou uma quizumba! Todos atuam socialmente, é verdade. A própria etimologia da palavra "atuar" diz respeito a agir, realizar, colocar em movimento... Mas, como distinguir esta atuação do cotidiano da atuação artística? Uma saída seria pensar que o ator de profissão lida com a ficção, com atos inventados por algum autor ou por ele próprio, e o ator social não, mas em tempos de reality show quem seguraria a onda com esta discussão? Como pensar esta distinção entre ator-artista e o ator-social, uma vez que a própria arte e a profissão de artista hoje cabe a qualquer um. Em Santa Catarina você pode fazer uma prova banal no SATED e pagar cerca de duzentos reais, e pronto: você é um ator com carteira assinada! Não vou nem citar os atores-modelos-dançarinos-cantores que surgem como se saíssem pelo ralo, pra discussão não ir muito longe! Além de todo mundo ser ator, todo mundo é artista! A profissão “ator”, assim como a noção de “arte” virou uma bagunça!

Quem nunca presenciou uma aula em que alguém inventa de discutir o conceito de arte? É uma sessão-troca-tapas divertidíssima. Você ouve: “arte é aquilo que se comunica com o público!”, até que alguém grita do fundo: “então a Xuxa é artista?”. Ou então que “arte é aquilo que revela os sentimentos mais profundos de alguém”, e outro grita mais alto: “terapia também faz isso!... então, terapeuta agora é diretor?”. Não tenho a pretensão de chegar a um conceito apropriado pra arte (sério, você veio ao lugar errado!), pois, apesar de ter minhas opiniões sobre o que seria ou não arte, acredito que são assuntos da minha cozinha, e das minhas cervejinhas com os amigos mais próximos. Já perdi a paciência de distinguir atores de verdade de atores-que-saem-pelo-ralo. Já perdi a compostura discutindo o que é arte ou não. Já não tenho mais idade. Então você se pergunta: “porque raios ele escreveu isso aqui?”. E eu respondo: Não faço a menor idéia. Hoje ando mais amigo dos pontos de interrogação e das reticências. E vivo achando que o que eu escrevo ficou por ser terminado. As coisas vão virando uma bagunça na cabeça. Vovó diria que estou fazendo arte!

29 de agosto de 2011

Manual para amores estéticos



Não idealize o tempo dos abraços e o desenho dos afetos. Deixe eles seguirem o caminho que há de ser. Não dirija uma encenação na sua cabeça. Deixe os outros atores criarem seu próprio texto e jogue com eles. O processo criativo disso que inventaram chamar de amor revelará a função de cada sujeito. Calcule apenas o uso das falas (elas podem ser mal compreendidas, inclusive por você). É importante que os candidatos ao ofício não tenham muitas opiniões a respeito de sua função no processo. Lembre-se, caro aspirante: o espontâneo é prioridade. Não balize o conceito de amor pelo que sente pelos seus amigos (os caminhos são distintos e ninguém explicou isso no colegial). Não espere redes de proteção, pára-quedas nem seguros de vida. Contente-se com o que é verdadeiro na dramaturgia (com o tempo os pequenos atos serão de um tamanho satisfatório na memória). Espreguiçamentos conjuntos sem horário para acabar, silêncios desconcertantes, olhares envergonhados, e palavras mal escritas no seu texto são aspectos da mais alta importância. Não acredite nos poetas: eles ficaram famosos por mentir para você (em primeira e terceira pessoa). Entre no barco com os dois pés (o máximo que pode ocorrer é uma estreia mal sucedida, ou uma temporada sem apelo de crítica). Amor, que é amor não afoga (mesmo que faça perder o ar). Separe apenas o que for levar na viagem. Não imponha o seu tempo para cada cena. Deixe as águas correrem sem criar barragens. Menos fé cênica e mais pé na tábua. Amor é algo que se reescreve sem decorar as falas. E o mais importante: não acredite em instruções sobre esse tema. Tudo se transforma.