12 de março de 2008

Ficção não é Mentira

Fico puto quando as pessoas dizem que somos atores na vida. Ator é uma profissão, vamos combinar isso. Uma profissão difícil e decente como muitas outras. Mas sob o argumento de que o ofício do ator é o fingimento, algumas cabeças pouco esclarecidas cismam em atribuir seus fingimentos do cotidiano à boa e velha arte da vida. "A vida não é uma arte, é uma cópia mal feita da arte", não lembro quem disse isso, mas boto fé! A diferença - se é que dá pra ser tão objetivo - é que a arte lida mais com a ficção do que a vida. Na vida há mais representação, mais fingimento. Na arte, a busca é sempre por algo verdadeiro, orgânico, vivo, sincero, dentro de uma lógica que se supõe ser fictícia (quase sempre). O cotidiano é o espaço do fingimento, e atuar não é fingir, é ser o que se é de verdade, por isso, é tão difícil atuar bem. Sempre gostei de dizer: "não atuo nas horas vagas. Quando paro de trabalhar eu sou eu mesmo"... já não concordo mais com isso. Acho pura besteira de ator babaca. Acho que no cotidiano, nessa vida maluca de múltiplas funções, papéis, âmbitos, etc, fingimos mais, somos falsos mesmo. Maus atores. A ficção que se põe em cena busca por meio do ator ser sempre uma verdade e a verdade que representamos no cotidiano é quase sempre mentira. Eu finjo que estou preocupado com tudo, que sou simpático, que me acho atraente, que estou seguro, que adoro a minha vida, que sou inatingível. Você alguma vez já foi minha platéia, mesmo que eu não soubesse. Mas, me desculpem: eu finjo mal. Eu choro escondido, eu tenho medo de ficar sozinho, eu não sei dizer o que eu penso, eu atraso o abraço e perco a chance de um contato real, eu perco chances de dizer as coisas certas porque tenho medo me verem mesmo, eu preciso que me digam o quanto eu sou legal, o quanto eu sou útil. Eu sou uma mentira bem fuleira. Nem eu mesmo me convenço. Quando atuo por ofício, acho que consigo ser melhorzinho. É que eu preciso da boa ficção pra tentar ser real.

10 comentários:

Jô Fornari disse...

eu queria fazer um autdoor desse texto. compartilho da tua indignação, alias acho q muitos ou todos os atores ja se depararam com isso. A sociedade atua o tempo todo e nós é que fingimos... pra puta q o pariu tanta ignorância.

gregory haertel disse...

amo atuações fuleiras na vida na mesma proporção com que me encantam as atuações mais verdadeiras no palco. Às favas as verdades, a segurança, as certezas. Quero essa vida que tu descreves, esse fingir mal fingido, essa insegurança, esse atraso para o abraço. Quero pessoas de carne, osso e choro. Coerência eu quero nas letras de música e em livros. Na vida eu quero corpos que derretam e que tenham medo. Pra não parecer que a minha insegurança e os meus medos são orfãos neste mundo onde todos sabem o que são. Eu não sei. Deus (força de expressão) te abençoe por não saberes. do fundo do meu coração desejo que nunca saibas. É o melhor que posso te desejar, porque é o melhor que também desejo para mim.
beijo, dani.
te amo.

Paula Braun disse...

Amigo,
Tirando a carcaça de pele, osso, silicone e aplique de cabelo todos somos frágeis e fúteis. Travesseiros unidos fundariam uma nova estação hidroelétrica, devida a quantidade de lágrimas. Tirando tudo isso, a gente tenta se divertir na mais hipócrita de todas as fugas do mundo moderno. Porque temos que ser felizes, sorridentes, lindos e essas besteiras. Por isso adoro atuar, adoro escrever, adoro a nossa profissão. E deixe que digam que fingimos... Deixa eles.
chavão do Fernando Pessoa:

"O poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente."

amo tu. ai kipon fólen. E foda-se.

André Luiz disse...

Tinha escrito um texto grandão e deu pani.. Adorei o texto..

A gente vive de máscaras.. mentindo e atuando no dia-a-dia.. quem diz que ator que mente e finge não sabe o que é atuar de verdade..

A gente é fútil.. quer sempre estar no padrão, pra se enquadrar em algum grupo ou na "temdênsia" Tem é muita gente sem personalidade que são uma cambada de falsos, idiotas.. que só querem agradar pra tentar ser alguém!

Beijos xuxu
;*

Anônimo disse...

cara! é muito bom isso! obrigado pela reflexão.

é por isso que a vida é tão sem graça, em contraposição ao teatro. lá estão as verdades, cá, as mentiras. por isso queremos amar, mas ficamos de braços cruzados. por isso o que queremos ver na arte é o que somos: pra fugir do fingimento.

muito bom! parabéns!

turnes disse...

Querido,
Entre a verdade da cena e a mentira da vida, transitamos no espaço da incerteza, da dúvida e do mistério. É o que nos faz humanos, imperfeitos e belos. Porque a beleza mais densa está na estranheza da forma, na finura das ligações internas e invisíveis e que por alguma razão nos refletem por dentro. Em ser ator, e ser gente, está o paradoxo do poeta que a Paula cita, está em ser tão eu mesmo, sendo outro aos olhos dos outros, que são eu. Me esparramo na tua reflexão, escuto o novo do Portishead depois de 11 anos desde que os acordes sombrios de All Mine machucaram meus ouvidos. E penso que te adoro. beijos do rê.

Anônimo disse...

A MELHOR DEFINIçÃO DE ATUAçÃo.
Ever.
Chico querido.
Pau que nasce torto nunca se indireita - é o tchan.
A visão crítica e pensante da maioria das pessoas é tão sega quanto as facas Ginsu.
Então sobra pra gente, alienígenas do fingimento, vivenciar todo o resto dos sentimentos, reais ou imaginários.
Bjoca
Cruj Cruj Cruj
Tchau

Alex Nascimento disse...

nego isso é um tapa, isso é perfeito...
o mesmo acontece com o poeta, as vezes dizem apenas ser sonho, imaginação, e no fim somos tão errados em viver o real... adorei eu me sinto ai em suas palavras

abraço cara

Sandra Knoll disse...

Acho que endureci demais!!!

mARINA mONTEIRO disse...

ainda bem que eu atuo....é quando eu sou mais eu mesma...assim, verdadeiramente falando......e eu tb atraso abraços....odeio...mas atraso...eca!!!!

por mim parava em cena...mas aí não seria mais verdadeiro....nem único,

bamos a bailar...

e beber.....(nisso sou bem verdadeira) hahahaha