27 de janeiro de 2008

Utilidade Doméstica



...pra aprender que a vida não é fácil.

[PS:
O banheiro é da Estação Vereza, onde estamos trabalhando atualmente. Aquilo marrom em volta do vaso é fita adesiva, pois a peça estava lacradinha... não pensem merda!]

23 de janeiro de 2008

Alzira não mora mais aqui

A tua sorte é que meu amor próprio é feito água barrenta. Em poucas palavras: é um córrego cheio de merda. Tua sorte é minha burrice. Sorriso de Monalisa, comida fria, flores murchas, mesa arrumada com toalha velha. Um dia você vai chegar e descobrir que empacotei todos os meus problemas e coloquei no porta-malas do velho cadillac, como dizia naquela música que a vitrola sempre tocava e que eu nunca entendia. Você vai chegar de camisa amarrotada, olhar de peixe morto, risada de filme B. E vai encontrar um bilhete desaforado. Janelas tapadas. Uma casa sob lençóis e poeira.

22 de janeiro de 2008

A melhor do mês

Recado da minha irmã hoje no orkut:


"peço gentilmente que vc tire do seu album a foto na qual eu estou parecendo um peixe-boi do avesso... eu te amo, mas não sou obrigada! bjos"


[ nem adianta olhar que eu já tirei ]

21 de janeiro de 2008

O Espaço em Aberto

Primeiro dia de ensaio na antiga Estação Ferroviária Engenheiro Vereza, onde vamos apresentar em breve... diretor feliz e cansado...

“O senhor sabe o que o silêncio é?
É a gente mesmo, demais”
Guimarães Rosa

19 de janeiro de 2008

Sobre Minhocas e Afagos

"As minhocas têm a vida invejada pelos homens. Talvez por que os homens sonhem com um afago noturno, um abraço de concha que quando amanhece se alonga, se espreguiça, abraço e mau hálito, e cafuné, e o tatear do peito do outro. As minhocas escavam seu caminho e vivem suas vidinhas sem graça fazendo buracos para fugir de problemas como este: desejar acordar sob um peito e querer acordar também com um animal da mesma espécie sob seu próprio peito, apenas para levar a mão sob os olhos deste outro animal seu, acariciando as pestanas, desenhando com o mindinho o sorriso alheio [os animais humanos gostam de fazer carícias nas pestanas, e nas orelhas, e na epiderme, e no canto esquerdo do peito]. As minhocas acariciam somente a terra, numa jornada sem rumo, alheia a qualquer lucro besta. O animal humano quer ter um peito - o mesmo - toda manhã, sob o qual repousaria a vida sonhada de uma minhoca, despreocupada, alheia, desconcertada. Quer ter o peito que envelhece - o mesmo - todos os dias, manhãs frias, dias de enchente, tardes de suor, noites de pratos quebrados, madrugadas de edredons e pés frios escavando o algodão. Eu queria ser uma minhoca, assim, simples, doce, sublime, de verdade, o que eu queria era não ter mão pra não esperar afagar ninguém. Não ter cocuruto pra não mais esperar afago algum. Eu queria enfiar o topo da minha cabeça na terra e sair ali do outro lado do continente asiático, ou numa encosta escandinava, ou no cú do mediterrâneo, num lugar qualquer, onde não se espera que ninguém surja pra reconfortar essa vida que não é de túneis e sim de buracos sem saída. A vida do animal que não é minhoca é um buraco que termina em lama. Eu odeio viver uma vida que não é uma vida de minhoca, e ao mesmo tempo saber que minhocas existem."

Alzira


Veja “Liloca, a minhoca” em, www.rosetaseespinhos.blogspot.com, um presente (talvez) involuntário do Greg.

18 de janeiro de 2008

Micro-espaço noite adentro

Alzira conversava com a sala vazia... simulava uma entrevista em que blablablava sobre sua vida, suas projeções, seus sonhos, suas filosofias baratas. Entre os varais de roupas ela falava com ninguém... filosofia para baratas de área de serviço. Ali recriava entre os varais uma espécie de micro mundo a cada noite, um espaço fechado, reservado pros seus cigarros e devaneios insones. Alzira via suas projeções servirem pra nada, seus assuntinhos, sua presunção... tanta prepotência, tantos achismos e Alzira estava ôca. As janelas vizinhas se apagam. O carro da esquina acende o farol e some lentamente pelas quadras. A fumaça do cigarro inebriando a área de serviço de Alzira. O carro cada vez menor no angulo entre os varais. A madrugada cada vez maior e o quarto-varal cada vez mais vazio.

11 de janeiro de 2008

Retrô... últimos momentos

Agora vai a lista do anfitrião, então! Desta vez eu me passei e tô elegendo até nas categorias técnicas... Escolhi fazer a lista dos melhores da temporada 2006-2007 pois muita coisa só chegou aqui por esse ano. Além disso eu sou super lento pra conseguir ver tudo, então vai uma lista meio ambígua...

Melhores da Temporada 2006/2007

:: Melhor Trilha Sonora

Babel
Paris, Te Amo
O Cheiro do Ralo

:: Melhor Direção de Arte e Cenários

O Cheiro do Ralo
Piaf – Um Hino ao Amor
Não por Acaso


:: Melhor Figurino

O Cheiro do Ralo
Hairspray
Marie Antoniette


:: Melhor Fotografia

Babel
O Cheiro do Ralo
Nâo por Acaso


:: Melhor Montagem


Os Infiltrados

O Cheiro do Ralo
Babel


:: Melhor Maquiagem

Piaf – Um Hino ao Amor
Hairspray
Marie Antoniette


:: Melhor Canção

“Come so far (got so far to go)” de Hairspray
“Carona” de Não por Acaso
“We´re All in the Dance” de Paris, Te Amo


:: Melhor Roteiro

Pequena Miss Sunshine
O Cheiro do Ralo
Babel
Scoop - O Grande Furo
Mais Estranho que a Ficção


:: Melhor Conjunto de Atores

Pequena Miss Sunshine
O Cheiro do Ralo
A Última Noite
Babel
Hairspray


:: Melhor Atuação Masculina

Leonardo Medeiros [Não por Acaso]
Garrison Keillor [A Última Noite]
Will Ferrel [Mais Estranho que a Ficção]
Selton Mello [O Cheiro do Ralo]
Alan Arkin [Pequena Miss Sunshine]


:: Melhor Atuação Feminina



Marion Cottilard [Piaf – Um Hino ao Amor]
Lily Tomlyn e Meryl Streep [A Última Noite]
Imelda Staunton [Harry Potter e a Ordem da Fênix]
Emma Thompson [Mais Estranho que a Ficção]
Adriana Barraza [Babel]


:: Melhor Direção

Alejandro Gonzalez Iñarritu [Babel]
Johnathan Dayton e Valerie Faris [Pequena Miss Sunshine]
Olivier Dahan [Piaf – Um Hino ao Amor]
Robert Altman [A Última Noite]
Heitor Dhalia [O Cheiro do Ralo]


:: Melhor Filme de Longa-metragem
[em contagem regressiva... rssss]


10º
- Scoop - O Grande Furo [Estados Unidos]
de Woody Allen

Woody Allen é um mestre nesse gênero "comédia de suspense" [que se não me equivoco deve ter sido inventado por ele mesmo]. Belo roteiro, instigante, divertido, com um casal central adorável [Scarlet Johansen e Hugh Jackman], e Woody mais uma vez com seu delicioso clown do brooklin, perdido em meio aos quiprocós de suas mentiras. O tom insólito e bem humorado da barca do inferno é outro detalhe marcante...

- Os Infiltrados [Estados Unidos]
de Martin Scorcese

E olha que eu já fui pra não gostar...Depois de umas derrapadas feias com "Gangues de Nova York", Scorcese volta em excelente forma neste policial porreta com trama de grande apelo e atualidade. Um retrato cruel e quase desesperançoso sobre o crime organizado e sobre os reais poderes no mundo atual. Montagem maravilhosa e, como se fosse novidade, um show de Jack Nicholson.

- Paris Te Amo [França]
diversos diretores

Apesar do número exagerado de histórias, o filme encanta por não se perder no cartão postal da capital francesa. Quase um retrato de uma cidade como outra qualquer cheia de histórias como estas, das mais simples histórias de amor a algumas narrativas fora de qualquer realismo. Destaque para a história dirigida por Isabel Coixet, sobre um homem que se reapaixona pela esposa em estado terminal [Miranda Richardson] e para o ultimo quadro dirigido por Alexander Payne sobre a carteira americana [Margo Martindale] que redescobre algo especial em Paris. Vale notar o trabalho de Gena Rowlands, exuberante no quadro dirigido por Gerard Depardieu.

- Não por Acaso [Brasil]
de Phellippe Barcinsky

Apesar de resvalar em certo pieguismo [derrapadinhas bem leves] Não por Acaso é um filme de grande inteligência. Bom trabalho de Rodrigo Santoro, mas, certamente trabalho ímpar mesmo de Leonardo Medeiros, que enfim ganhou uma papel à sua altura. Pra mim, Medeiros é a alma do filme, carregando o tom melancólico e tumultuoso que sustenta as linhas destas histórias tão complexas, mas tão próximas.

6º - Mais Estranho que a Ficção [Estados Unidos]
de Marc Fosrter

Quem somos nós? O que estamos fazendo neste mundo? Há um Deus que nos rege? Só por conseguir fazer esta discussão já tão batida e tão vazia de respostas não cair no lugar comum, o longa de Marc Forster já merece suas estrelinhas. O filme ainda revela um trabalho impecável de Will Ferrel [apoiado por um elenco brilhante], montagem e fotografia super dignas e uma reversão de expectativa, que ao invés de cair na mensagem barata dá novo fôlego à narrativa nos últimos minutos. Belo filme!

5º - Babel [Estados Unidos/México]
de Alejandro Gonzalez Iñarritu

Há tempos não via uma obra tão forte sobre a intolerância e suas possíveis razões. E poucas vezes um filme consegue apontar respostas pra esta questão. Babel explora a língua, a incompreensão, as diferenças de identidades como razões da intolerância, e o faz cruzando diversas atmosferas, ora mais lírico ora mais cru, ríspido. Fotografia exuberante num filme cheio de pequenos detalhes visuais. Em vez de sugerir possíveis respostas, Iñarritu parece responder em voz alta aos delírios do mundo atual.

4º - Piaf – Um Hino ao Amor [França]
de Olivier Dahan

Outro filme que poderia cair na fórmula... mas, em vez de nos mostrar a tradicional “saga de um grande mito desde a infância a velhice, pra fazer chorar as multidões” a direção parece apostar justamente no tom melodramático [como já disse o Turnes no post anterior], já que a própria vida de Piaf carrega este tom, assim, a direção utiliza o melodrama de forma inteligentíssima, uma aposta certeira, com belo roteiro, edição impecável e um trunfo maior que todos: a atuação magnífica de Marion Cottilard. Francamente, a mulher pode se aposentar agora, que já será lembrada pra sempre por esta performance monstruosa, tão monstruosa quanto sua personagem-título. Por falar em título, só o título do filme em português é que não ajuda né??


3º - A Última Noite [Estados Unidos]
de Roberto Altman

Filme de mestre, e digo sem medo de rasgar seda fácil. Bela despedida de Altman, que mostra que sua genialidade possivelmente vem de sua profunda inquietação. O fim da rádio, o fim da arte, o fim da vida... Altman se despede com uma provocação de arrepiar, sem se esgotar em conversa fiada, apostando na simplicidade de uma boa história, na leveza, e [como sempre] num grande elenco.

2º - O Cheiro do Ralo [Brasil]
de Heitor Dhalia

O segundo longa de Dhalia é um belo soco no estômago, mesclando elementos urbanóides, insólitos, patéticos, e que debaixo de tantas referências consegue ser super humano e tocante. É ódio, é piedade por este homem insano, que reflete pra tão mais que a imagem caricata e charlatona. Elenco sem ter o que tirar do lugar: desde as pontas aos protagonistas. Junte isso a uma fotografia de mestre, e um trilha supimpa, e aquela bunda, gente... que bunda! Um filme memorável desde já!

1º - Pequena Miss Sunshine [Estados Unidos]
de Johnathan Dayton e Valerie Faris

Certamente a força do cinema americano hoje deve quase tudo aos diretores independentes. E desta vez eles se passaram... O filme, que parece embarcar no formato “filme de família” [aventura de estrada pra fazer uma menininha ganhar um concurso? Convenhamos...], consegue fugir de toda a receita com uma inteligência ímpar. Você parece ter pago pra ver filme de família, e leva uns bons tabefes na cara... sacada de direção das melhores. É riso em meio a choro. É desespero em meio aos momentos mais patéticos. E nisso o filme ultrapassa os limites dos gêneros, do plausível, do palpável, dos adjetivos, e nos confunde as emoções numa impagável crítica à família, às neuroses da beleza, as neuroses do modelos de sucesso. Pra mim este é [desde já] daqueles filmes que precisam ser lembrados sempre: pela estética, pelas provocações emocionais, e pelo discurso, humano e devastador. [E era uma comédia de família no cartaz!]

(...)

Menção Honrosa para Curta-metragem



Isto não é um filme [Brasil] de Loli Menezes de 2007
... delícia de curta, inteligente, e cheio de referências bacanas pra se pensar a criação artítica e a criação cotidiana.

Menção Honrosa
[filmes que só fui ver este ano]

Lavoura Arcaica [Brasil] de Luiz Fernando de Carvalho - 2001
Lugares Comuns [Argentina / Espanha] de Adolfo Aristarain - 2002
Quanto Vale ou é por Quilo [Brasil] de Sérgio Bianchi - 2005
Os Incríveis [Estados Unidos] de Brad Bird - 2004
Old Boy [Coréia do Sul] de Park Chan Wook - 2004
Ônibus 174 [Brasil] de José Padilha - 2002

(...)

Era isso... vamos conversando mais...

Obrigado aos convidados pelas listas e a todos que comentaram...

Abraços





8 de janeiro de 2008

Top 9 vistos em 2007


por Renato Turnes
diretamente do Festival de Cinema de Horror de Moscou


Essa lista é de filmes que eu vi e gostei em 2007, a cronologia é doida, tem filme véio, filme novo, não tem ordem. E também não tem ordem de melhores, fui lembrando e escrevendo.


Vamo lá!


M – O Vampiro de Düsseldorf

O clássico do expressionismo sonoro de Fritz Lang é um espetáculo de montagem profundamente emocional. O P&B deslumbrante sugere sombras mais psíquicas que monstruosas. A mis-en-scene rígida, limpa e simbólica consegue extrair sentimentos sinceros do elenco, liderado por um Peter Lorre de olhos esbugalhados e cara de doidão. Seu monólogo final soa um tanto demodé, em grande estilo teatrão, mas marca uma época de transição, na qual o cinema deixou-se encantar pelo verbo.


Macunaíma




O herói sem caráter de Mário de Andrade é revisto sob a ótica tropicalista e antropofágica de Joaquim Pedro de Andrade. Moderno, irreverente, hilário, colorido, farsesco, lindo de se ver. Paulo José é um grande ator jovem pulsando criatividade e inteligência cênica. Grande Otelo é a encarnação da chanchada, palhaço mestre nesse estilo genuinamente brasileiro de atuar. Dina Sfat é a diva que o Brasil perdeu cedo demais. Obra – prima irretocável.


Os Incompreendidos



Godard é um chato. O maior cineasta da França é Truffaut e não se fala mais nisso. Seu cinema comunica, emociona, é delicado e poético sem ensimesmar-se e se auto-alimentar em seu próprio discurso. Nesse filme o mestre apresenta o garoto Antoine Doinel, personagem alter-ego. Protagonista de várias produções posteriores, sempre foi interpretado por Jean Pierre Leaud, que cresceu sob a batuta do mestre. Autobiográfico, emocionante, leve, amoroso, cinema em cada fotograma. Nouvelle Vague para todo mundo.


O Mensageiro Trapalhão

Jerry Lewis continua sendo um gênio outsider, mesmo depois de décadas de encantamento que sua arte produziu. Clown loser e apaixonante, o ator-diretor-roteirista-produtor esbanja seu gigantesco talento histriônico nessa obra-prima do humor físico. O roteiro nada convencional é uma colcha de retalhos de esquetes quase sem ligação entre si, nos quais o cômico desvia o andamento natural das coisas em favor da graça absoluta. Clássico, vanguarda, metalinguístico, auto-referente, anárquico, Jerry é uma inspiração e um tesouro.


Mais Estranho que a Ficção



Se os roteiros de Charlie Kauffman já fizeram escola e já viraram estilo, essa é a melhor das cópias. Divertido e tocante, o filme mistura inconsciente, fantasia, literatura e romance sem parecer um caos moderninho, um pastiche kauffmaniano. Tem identidade própria, apesar das referências tão próximas. E ainda revela um Will Ferrel muito além do vaudeville.


À Prova de Morte

Sim eu já vi o novo Tarantino. Me segurei na poltrona e viajei no estilo do enfant terrible americano e seu cinema de referências nada esperadas. Death Proof é engraçado, sexy, violento e catártico. É setentista, retrô, underground, tem mulher gostosa e poderosa, a trilha é genial, como sempre. E ainda dei vexame dando gritinhos de UHÚ na seqüência final. É cinema pra se divertir, de um diretor que domina seu estilo com absoluta propriedade.


Piaf

Cinemão francês feito pra chorar. Muito bem feito pra chorar. Melodramático, exagerado, emocional, arrepiante, dramático....ui que delícia. É pra se entregar e pronto. O tom trágico é coerente com a vida da estrela francesa, que tinha a tragédia enfiada na alma e colada na voz. A seqüência em que Piaf recebe a triste notícia sobre seu amado Marcel é filmada com uma sofisticação e um lirismo inesquecíveis. E ainda recebemos a interpretação gigantesca de Marion Cotillard como um soco na boca do estômago. Sua caracterização é inebriante e as transições que constrói dignas de um monstro sagrado da arte de ser outro, e ainda ser tão sincero. Sua Piaf dói.


Pequena Miss Sunshine



Num universo cheio de tecnologias, motions captures, Dakotas Fannings (medo!), digitalismos, astros temperamentais e as mesmas velhas histórias recontadas, surge essa pequena pérola do melhor cinema independente americano, provando que cinema pode ser roteiro, ator, e uma kombi. E claro uma direção sutil e sensível que não quer aparecer mais que seus personagens. Ah! E uma criança que parece criança. Apaixonante road movie.


Horror de Frankenstein

Um clássico da Hammer Films, produtora inglesa célebre pelas adaptações de horror de baixo orçamento, violentas, kitsches, às vezes patéticas. Mojica, Coppolla e Polanski, os jovens cineastas e videomakers do trash, todos beberam nessa fonte de terror fake, nesses cenários de casa de vó, cobertos de papel de parede e móveis de brechó, nesses figurinos reaproveitados, nesses atores de fleuma britânica e impostação duvidosa. Para quem não se importa com a necessidade de verossimilhança que o cinema realista nos ensinou e se entrega ao jogo e à fantasia. E é capaz de rir em meio à carnificina.

(...)

Essa semana tem a ultima lista... que é do dono da casa!

2 de janeiro de 2008

Melhores e Piores de 2007 - 3a parte


por Paula Braun,
diretamente do Festival de Cinema de Ficção da Eslováquia


Eu: Dani, posso falar de filme brasileiro? Foi o que eu mais vi esse ano...
Dani: Pode!
Eu: Mas será que vale a pena falar de filme que ninguém viu?
Dani: Vale, pode falar de qualquer coisa!
E assim segue uma lista de melhores e “piores” filmes brasileiros do ano. Espero que se sintam curiosos pra assistir aos filmes que posto aqui. Com exceção do prêmio plus, todos merecem ser vistos. Ah, não vou falar de “Cheiro do Ralo”. Não acho justo. Divirtam-se.


Os que prometiam e não foram
(e mais o prêmio plus – advantage)

5º - Deserto Feliz, de Paulo Caldas

Eu gosto do filme. Acho até muitíssimo interessante exceto pelo final. Aquele típico filme em que o fim estraga. O problema é a personagem imaginar uma Berlim real. Quem de nós imagina um país, ou um lugar qualquer, que seja exatamente o que é? Principalmente se tratando de uma menina pobre do sertão (sim, de novo sertão) completamente ignorante. Mas enfim, o filme tem boas interpretações, adoro a participação de Hermila Guedes (que fez o céu de Suely). Vale a pena assistir.

4º - Tropa de Elite, de José Padilha
Respeito o filme. É bom, muito bem feito, adoro a fotografia, gosto da direção, dos atores, o Wagner no melhor papel dele. O que me cansa nesse filme é a temática. De novo violência, de novo favela. AFE! Outra coisa que me incomoda muito, é que o filme não é assumido como comercial, popular. Visivelmente foi feito pra ser assim. Com todo o bafão da pirataria (gente, não foi golpe de marketing) está mais do que provado que o povão adora. E acho isso ótimo.

3º - Antônia, de Tata Amaral
Um pouco mais de cuidado poderia ter rendido um melhor filme. E a série na Globo quebrou muito o encanto que o público teria, a bilheteria foi um fracasso. Acho a história um pouco naif demais, conto de fadas do subúrbio. Um pouco de “Quero ser famosa” numa versão brasileira. Sem graça.

2° - A Via Láctea, de Lina Chamie

Quer ser poético demais, soa falso. Muita citação, ficou careta e canastrão. Nem Alice Braga (que acho ótima) consegue me fazer acreditar no que está acontecendo. Marco Ricca então... Mas não coloco a culpa nos atores. O roteiro é pretensioso demais por um lado e por outro é ruim mesmo: “Acho que não te amo mais, eu não quero mais namorar com você”. Não mostra isso pra Maria do Bairro! Por favor!

1° - (com direito a prêmio plus: Blá blá blá Wiskas Sachê):
Ó pai ó, de Monique Gardenberg
Francamente. Muito pior do que qualquer um. Coisa rara eu sair no meio de uma sessão, aqui não agüentei. Mania de produtor achar que é só colocar Wagner Moura, Lázaro Ramos e uma gostosa de peito de fora pro filme dar certo. Não deu. Pro número de cópias a bilheteria foi fraca. E outra, filme pra turista americano bobo que pensa que mulher aqui anda com fruta na cabeça. E chega.

Os Melhores de 2007

5º - Mutum, de Sandra Kogut
Adaptação perfeita de Guimarães Rosa, primeiro longa da Sandra Kogut. As crianças são lindas, e eu adoro a opção da Sandra de deixar a câmera parada, vendo qual a reação da personagem ao que o outro está falando ou fazendo. Nada daquela coisa do plano e contra plano tão televisivo. Fora isso, tem toda a fotografia do sertão. Sim, é sertão, mas também a coisa mais linda é a relação entre as personagens. Sandra conta que viveram na casa durante um tempo e que a equipe tinha o maior respeito ao entrar e mexer nas coisas... Tenho que falar da atriz que faz a mãe. Sutil, linda, verdadeira. A primeira cena dela com o moleque é de arrancar o coração. Fiquei impressionada com o carinho dela com ele.

4º - Cão sem dono, de Beto Brant e Renato Ciasca

Sou suspeitíssima pra falar de Beto Brant. Acho que é o único diretor brasileiro autoral. Ele tem uma obra reconhecidamente dele. Adoro. Quase não consigo me ausentar pra falar, porque adoro também, além do Beto, a Tainá e o Julinho. Grandes atuações, sem a palhaçada de preparação, Fátima Toledo, etc. Adoro o tema, uma história de amor fudida e real, com cenas possíveis e reais.

3º - Casa de Alice, de Chico Teixeira

Em seu primeiro longa metragem, prova que filme brasileiro pode ser europeu, argentino... Carla Ribas já ganhou prêmios e prêmios pela atuação, ela está fabulosa, junto com a Berta Zemel, que faz sua mãe. O filme é cheio de sutilezas, nuances, códigos, fala da pobreza sob uma ótica absolutamente humana. Chico disse que deu muita prioridade aos atores na hora da preparação, da filmagem, o roteiro é muito mais suporte do que a “bíblia” a ser seguida. O resultado é visível

2º - Santiago, de João Moreira Salles

É muito mais do que um documentário sobre o mordomo da família Moreira Salles (donos do Unibanco), é uma revelação do diretor, um desnudamento. Filmou há 14 anos atrás e retomou o material com um olhar auto-crítico. Ele tem sobre o mordomo uma voz de comando que já não sabemos se é do diretor ou do patrão. Ele assume e critica essa postura. Uma exposição super corajosa, não só dele como da família toda. Maravilhoso.

1° - Jogo de cena, de Eduardo Coutinho


Das coisas mais lindas que já vi sobre universo feminino e trabalho de atriz. Mulheres reais, atrizes reais, histórias reais. Depoimentos dramáticos, hilários, quase surreais, que ora atrizes narravam, ora suas próprias donas. Em certos momentos, a atriz parecia se apropriar da história mais do que a dona, outros o contrário, e o diretor brinca com isso genialmente. Ou intercalando uma e outra, ou a atriz fazendo tudo, ou a mulher mesma contando tudo, ou as duas fazendo tudo, fora os depoimentos de Andréa Beltrão, que não conseguia conter a emoção (ao contrário da mulher) ou o de Marília Pêra, oferecendo um cristal japonês pra chorar “se precisar. Porque hoje em dia as atrizes fazem questão de mostrar que estão chorando, e quem chora de verdade esconde”, ou o de Fernanda Torres, se sentindo medíocre por contar uma história de alguém real, não conseguindo ser tão humana quanto a sua personagem. Pra mim, o melhor filme. Uma obra prima.
(...)



E nessa semana tem mais listas por aqui!

Abraços!