6 de janeiro de 2009

Retrô 6 :: Achados e Perdidos

CINCO PÉROLAS
DE HOJE E DE ONTEM

por RENATO TURNES, ator, diretor e meu amigo.



:: categoria tio woody

Vicky Cristina Barcelona

A velha máxima que diz que qualquer filme ruim do Woody Allen é melhor que 99% da produção americana tem muito de verdade. A gente já vai ao cinema, ou aluga a fita, sabendo que vai ter no mínimo uma diversão cheia de classe, seja drama ou comédia. Admiro tanto os artistas que não se limitam a gêneros, e que não perdem identidade quando abordam seus temas sob óticas diferentes, que o tio Woody é um herói pra mim. E esse ainda estreiou no cinema, fato raro por aqui. Mas a nova comédia do tio Woody está entre seus melhores trabalhos cômicos dos últimos tempos. O filme é levíssimo, mas na leveza reflete sobre o amor e a paixão, sobre americanos e europeus, sobre escolhas e liberdade. O trio de protagonistas é lindo e sexy e hot e....ui. Penélope Cruz é um bafo. Barcelona é um personagem encantador (como Nova Iorque foi antes). Os diálogos são afiados como sempre e o encadeamento das ações é tão natural que os personagens parecem mesmo flutuar sobre a trama, deixando-se levar pelo encanto da paixão. Que roteirista incrível é o tio Woody!


:: categoria presente mais-que-perfeito

A Noite dos Mortos Vivos















Revi este ano, em cópia restauradíssima, dvd de luxo, presente de aniversário do adorável dono deste blog. O Dani bem conhece meu estranho gosto pela bizarrice e a demência. E por isso, o clássico seminal de George Romero foi o deleite do ano em dvd. Mítico, o filme P&B de 68 inventou a moderna mitologia do morto-vivo. Uma estética e um conceito do zumbi, inúmeras vezes replicados desde então, em diversas linguagens. O roteiro é perfeito: a falta de explicação, o tabu do canibalismo, a crítica social, tensão e claustrofobia, os personagens divididos, bem caracterizados, lutam pelo poder em meio ao terror total. E o final...absolutamente inesperado e nada redentor. E a filmagem é moderna, o filme vibra, com seqüências ótimas com a câmera na mão e inserções de linguagem documental. Muito sangue e vísceras que chocaram o mundo na época e hoje poderiam ser banais. Mas o que faz de A Noite dos Mortos Vivos obra de arte é que o embrulho não é só no estômago, é na moral. A metáfora do filme é subversiva e poderosa. Espetacular. Obrigado Dani. Amo.


:: categoria cinema nacional

Encarnação do demônio

O que dizer do novo longa de José Mojica Marins? Passamos o ano esperando, eu e Malcon, pela estréia. E foi demais. Ver um filme desse mestre no cinema foi uma experiência quase infantil. Foi lúdico e terrível. Foi como andar de trem fantasma. Uma brincadeira bizarra: a gente sabe que é falso aquilo é plástico e papelão, mas duvida disso às vezes. Dá medo. A gente se entrega por momentos e dá um frio na barriga e uma súbita vontade de pedir pra descer. Depois a gente se acha ridículo. Dá pra entender? Sabe quando a gente é criança e fica com pavor de dormir no escuro depois de ver um filme de terror na tv, escondido da mãe. É uma sensação incrível essa que uma obra de horror pode provocar. É de tirar a cartola. A volta de Zé do Caixão é triunfal. Ele retorna do buraco mais escuro pra apavorar os crentes, arrancar escalpos, enfiar ratos nas bucetas, tirar uma noiva da barriga de um porco, descer ao inferno numa orgia lisérgica de Zé Celso. Assombroso. Tudo isso pra fazer um filho na mulher perfeita, que continuará sua linhagem superior, levando ao mundo o medo em estado bruto. Encarnação do Demônio tem tudo de Mojica: as obsessões primais, a heresia, o corpo maculado, a violência gráfica, certa tosquice nas interpretações, o humor, toda a mitologia sinistra do personagem. O mau e velho Josefel Zanatas. Junte-se a isso o primor da produção e temos o melhor filme de terror que o Brasil já produziu. Genial é pouco. Só podia ser obra do Seo Zé.

:: categoria matiné

Os Saltimbancos Trapalhões

Revi no Canal Brasil a adorável adaptação para o cinema do musical de Chico Buarque, estrelada pelos Trapalhões. Um dos meus filmes favoritos, que eu guardo sempre com carinho na memória. É tocante ver os comediantes no circo, interpretando artistas em busca do sonho do sucesso e comendo macarrão todo dia. Eu me identifico. Tem a tradicional parte do romance, claro, e muitas palhaçadas que são a cara dos Trapalhões em sua melhor forma. O quarteto está ótimo, à vontade no circo, que é mesmo a terra deles. As músicas são pequenas jóias. E Lucinha Lins canta muito. Zacarias era um ator de caracterização incrível, Mussum um paradoxo: um alcoólatra para crianças, Dedé a escada inteligente e o Didi...como o Didi foi engraçado um dia. Naquela semana fiquei cantando Hollywood sem parar. E aquela lágrima que escorre do burro no final dá um nó no coração.

:: categoria demorei pra alugar

Império dos sonhos

Eu tenho medo de David Lynch. Ele é um artista completo, um cineasta autoral, um doido de pedra. Pra curtir Império dos Sonhos devemos abandonar coisas as quais somos muito apegados, tipo as noções da narrativa realista, por exemplo. Ou unidades aristotélicas. Ou construção psicológica dos personagens. Não existe regra no universo demente do diretor. Não existe realidade ou ficção. Tudo é meio fantástico, a atmosfera é inebriante e emocional. Paisagens emocionais, falou o Marcelo (ele é tão sensível...). Luta-se constantemente com a compreensão, apegados que somos a esses dogmas. Mas existe um prazer estético, que não tem explicação. É parecido com o que a música faz, eu acho. Você não consegue pegar a música, você não a vê, não a entende, mas ela te diz e te toca e você viaja nessas sensações. É um filme música. Sabe, como o Malcon diz, com aquele seu jeitinho ironicuzinho: "é pra sentir, não é pra entender..." É assim mesmo. Só que muito verdadeiro. Lynch é um artista livre e se expressa através de camadas simbólicas muito mais sutis que a maioria dos outros mortais. Tem que se entregar, não dá pra ficar querendo entender, tem que desistir. E quando a gente desiste a gente vê Laura Dern excelente, uma espécie de Alice entrando em portas que dão para dimensões cada vez mais escuras, numa espécie de labirinto de si mesmo. Peguei na mão dela e fui junto.

5 comentários:

Malcon Bauer disse...

Ironicuzinho, eu? Que despaltério!
hehe
É uma ótima seleção mesmo...
E esperar "Encarnação do Demônio" foi realmente muito agoniante, principalmente porque a estréia nacional não chegou aqui.
Mas valeu a pena!

turnes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
turnes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Caroline Carvalho disse...

Perfeito o post.
Perfeito as definições de categorias.
Pode acreditar, fiquei tentada a rever "Os saltimbancos trapalhões", filme que lembro de ter assistido somente quando criança.
Beijos
Caroline

Daniel Olivetto disse...

Adorei a lista... ainda não tinha parado pra comentar [aliás, eu reclamo que as pessoas leem e não comentam, mas até eu tô assim]

...Vicky é pra mim um dos melhores do Woody, filme feito com preocupações bem simples, e que acerta em cheio... tô em débito com os clássicos e com o David Lynch... com o Lynch o problema é que também tenho medo dele... ainda mais depois que vc ficou sonhando com o índio do "Twin Peaks" pelos cantos da sua casa... credo... vou dar um temp de Lost Highway e outros assombros...