20 de agosto de 2007

Três cigarros e uma prosa bipolar


Puta que pariu! - disse o ator - e não é que o timbre se esgueira janela afora! Há dias ele se compenetrava em perceber seus próprios chiados. Havia descoberto o incerto, o infortúnio dos que amam sem saber como, dos que põem na cruz qualquer sujeito. Ele não podia mais discenir entre o óbvio e o obtuso. Entre saída e entrada. Entre gesto e ação. Ele se permitiu adentrar aquilo que mais temia.

(Então ele bateu os sapatos, não limpou as soleiras, não virou o disco, e viu-se rodeado dos afagos que vinham de lugar nenhum)

Este dia não lhe deu a doutrina salvadora. Este lugar não trouxe um abraço esperado, tampouco um soluço desembestado de quem anda torto. Ele se viu pura poesia. Ele quis escrever um poema. E tentou dormir com macacos no sótão, com talheres no teto, com risadas no porão. E quis escrever um poema. E preparou um chá, e andou pela casa, e esmigalhou nozes. E quis escrever um poema.

A moça desnuda do sétimo andar agonizava na janela. Ele gritou (oco) contra vidro (fosco) do prédio: vou escrever qualquer merda hoje!!! Está me ouvindo?!

(silêncio noturno, sequer um cachorro se pronunciava)

Qualquer merda - disse o ator - qualquer merda!


[foto da Samara Zukoski, que tá cada vez melhor na fita]

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