À moda de Georges Perec (2)
"Eu me lembro de ter começado a escrever sobre isso, por causa do livro de George Perec, e ter dito que continuaria a escrever. Talvez por isso, eu me lembre.
Eu me lembro das luzes vermelhas, enormes, das Casas da Água, do outro lado da avenida, quando desembarquei no terminal Rita Maria, enquanto aguardava tia Oda vir me buscar. Eu me lembro de nunca ter estado antes na Ilha dos Aterros. Eu me lembro de ter pensado que Florianópolis não era um bom nome para uma cidade tão bonita, porque homenageava um ditador. Talvez por isso tenha uma arquitetura tão irremediavelmente cafona, com a cara da sua elite. Eu me lembro de ter dito que eu ficaria aqui. Lembro também de ter ficado.
Eu me lembro de uma carroceria abandonada. Do alto dela, eu praticava boxe sem luvas. Suas madeiras se fingiam de cordas, e seu chão de lona. O horizonte do planalto era o universo a ser decifrado, devorado e atravessado. Lembro de nunca ter beijado o chão.
Eu me lembro de ter feito quase mil barcos de papel e os ter distribuído na medida do meu encantamento e desejo. Eu me lembro de ter dito a alguém que sabia que estaria ali naquele momento, quando da entrega do barco. Lembro vagamente de ter um livro muito próximo.
Eu me lembro de ter amanhecido num lugar chamado Porto da Lagoa e ter adormecido num outro porto, chamado Buenos Aires. Ao abrir dos olhos, alguém me pediu pra que eu não fosse. Ao fechar os olhos, acordei. Havia uns sapatos contíguos, que pertencia a uma palhaça de cabelos azuis. Eu me lembro de ter caminhado muito e de ter visto uma lua cheia como nunca, e de ter sido feliz.
Eu me lembro de três sonhos: 1) a multidão na Ponte perguntando: quem é essa mulher?; 2) um beijo aplaudido num caixa de supermercado após a passagem de uma controversa garrafa de azeite de olivas; 3) uma pequena que voltava nos anos de 1950 para que eu pudesse beijá-la e dizer em seguida: Parabéns, pequena, pelo seu aniversário.
Devo lembrar-me de parar de lembrar e viver mais, ainda que seja impossível viver mais sem lembrar."
Eu me lembro das luzes vermelhas, enormes, das Casas da Água, do outro lado da avenida, quando desembarquei no terminal Rita Maria, enquanto aguardava tia Oda vir me buscar. Eu me lembro de nunca ter estado antes na Ilha dos Aterros. Eu me lembro de ter pensado que Florianópolis não era um bom nome para uma cidade tão bonita, porque homenageava um ditador. Talvez por isso tenha uma arquitetura tão irremediavelmente cafona, com a cara da sua elite. Eu me lembro de ter dito que eu ficaria aqui. Lembro também de ter ficado.
Eu me lembro de uma carroceria abandonada. Do alto dela, eu praticava boxe sem luvas. Suas madeiras se fingiam de cordas, e seu chão de lona. O horizonte do planalto era o universo a ser decifrado, devorado e atravessado. Lembro de nunca ter beijado o chão.
Eu me lembro de ter feito quase mil barcos de papel e os ter distribuído na medida do meu encantamento e desejo. Eu me lembro de ter dito a alguém que sabia que estaria ali naquele momento, quando da entrega do barco. Lembro vagamente de ter um livro muito próximo.
Eu me lembro de ter amanhecido num lugar chamado Porto da Lagoa e ter adormecido num outro porto, chamado Buenos Aires. Ao abrir dos olhos, alguém me pediu pra que eu não fosse. Ao fechar os olhos, acordei. Havia uns sapatos contíguos, que pertencia a uma palhaça de cabelos azuis. Eu me lembro de ter caminhado muito e de ter visto uma lua cheia como nunca, e de ter sido feliz.
Eu me lembro de três sonhos: 1) a multidão na Ponte perguntando: quem é essa mulher?; 2) um beijo aplaudido num caixa de supermercado após a passagem de uma controversa garrafa de azeite de olivas; 3) uma pequena que voltava nos anos de 1950 para que eu pudesse beijá-la e dizer em seguida: Parabéns, pequena, pelo seu aniversário.
Devo lembrar-me de parar de lembrar e viver mais, ainda que seja impossível viver mais sem lembrar."
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