Reaberta a temporada de caça às bruxas...
Abaixo divulgo a carta do escritor e cineasta Fábio Brüggemann, exonerado de seu cargo na Fundação Franklin Cascaes (Florianópolis) por ter participado do longa Matou o Cinema e foi ao Governador.
A carta fala tudo:
"Meus amigos, meus inimigos (para lembrar Manuel Bandeira)
Ontem, em uma prática que julguei ter sido esquecida desde a ditadura, fui sumariamente exonerado do cargo de coordenador geral da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes. Soube hoje, de fonte segura, que o prefeito Dário Berger atendeu a um pedido pessoal do candidato à reeleição, Luiz Henrique da Silveira, em represália àqueles que ousaram realizar um filme ( Matou o cinema e foi ao governador), feito para mostrar a incompetência (pública e notória) de sua gestão frente às demandas da classe produtora e artística do Estado. Ao invés de debater o motivo e conversar com a classe, o candidato usou da velha e covarde tática da caça às bruxas, e com a truculência que lhe é peculiar, sem sequer ter visto o filme, pediu minha cabeça.
Na última eleição para prefeito, quando deveria ter havido um debate entre os ex-candidatos a prefeito, Dário Berger e Chico de Assis, com representantes da classe artística e cultural, o senhor Dário Berger não pode ir, mas pediu ao escritor Péricles Prade que o representasse. Todas as propostas que o escritor apresentou no debate eram as mesmas que eu havia repassado a ele (a seu pedido), tirada de vários documentos (àquelas alturas já tornados públicos) compostos pela Frente em Defesa da Cultura e pelo Forum Floripa, movimentos representativos da classe artística e cultural da cidade e do estado.
Péricles solicitou, então, quando o prefeito se elegeu, que eu assumisse a coordenação geral (mesmo eu não pertencendo a nenhum partido) para auxiliar o superintendente da Fundação, senhor Vilson Rosalino, e o prefeito, a cumprir a promessa de campanha feita naquele debate, já que eu conhecia de perto tais reivindicações. Porém, alianças partidárias, vontade de permanecer no poder, interesses outros que não os públicos, aliado ainda a um desconhecimento do prefeito em relação à cultura, fizeram com que nada do que fora prometido fosse efetivamente cumprido. Editais de apoio, o Fundo Municipal de Cultura, uma política de estado, realização de seminários (nem mesmo o Festival Isnard Azevedo haverá neste ano, depois de mais de uma década de existência) nada foi feito, deixando-me, muita vez, constrangido, e, ao mesmo tempo, me sentindo tolo em acreditar que algum político tenha mesmo interesse em fazer da cultura uma prioridade.
E mesmo estando ciente de que o prefeito Dário Berger e o candidato a reeleição Luiz Henrique fizeram uma aliança, nunca deixei de ser crítico, seja em minha coluna no Diário Catarinense, seja nas minhas atividades como escritor e realizador de filmes. Tanto que, mesmo sabendo que poderia haver retaliações, participei com prazer (e o faria de novo) do filme supracitado. Ingenuidade, eu sei, porque acreditei que mesmo participando de uma gestão fosse possível ser crítico em relação a ela mesma. Assim se trabalha em equipe, em imaginava, seja para gerenciar cultura, seja para fazer um filme, como o que fizemos. Ainda mais que eu mesmo havia ajudado a conceber as promessas de campanha, de alguma forma.
Mas estes senhores não compreendem, ou se fazem de tolos, que a cultura permeia todos os gestos. Seja pela forma como tomamos o ônibus, seja pelo jeito como enterramos nossos mortos, ou na arquitetura das nossas casas. Cultura, para eles, é apenas aquilo que não os coloque em perigo. Por isso, é fácil mandar às favas alguém que questiona e pensa um pouco nestas questões. Por isto o orçamento é tão minguado, e quando não é minguado é distribuido de forma nada democrática.
Tão logo entrei na FFC, os jornais noticiaram que eu passaria de pedra à vidraça. Mas logo percebi como são tratadas estas questões, já que o coordenador de patrimônio da FFC, com anuência do senhor Vilson Rosalino, só para dar um exemplo, está lá apenas porque é cabo eleitoral do senhor Sérgio Grando, não porque seja um técnico da área, resultando, por exemplo, num abandono total da Casa da Memória, um dos centros de documentação mais importantes do Estado, e hoje sob os (des)cuidados da Fundação. Mas memória, para estes senhores, é coisa perigosa.
Não sinto por ter saído da Fundação, porque os governos passam e a arte fica. Sinto mesma pela forma como fui exonerado, sem conversa, sem debate, e por entender que, se fizeram comigo farão com qualquer um que ousar dizer que eles estão errados. Talvez eu tenha que pedir asilo em outro Estado, caso haja a reeleição mesmo, pelo menos durante os próximos quatro anos, mas ainda sonho que um dia teremos um classe mais atuante e unida, e um projeto público democrático para a cultura desse estado e dessa cidade, sempre à margem, sempre provinciana, sempre feita de balcão de negócios, sempre particularizada, nunca pública, mas com gente muito mais do que capacitada e talentosa para fazer cinema, música, teatro, literatura e tudo aquilo que em todos os outros estados é tratado com um pouco mais de zelo.
Só torno público uma questão aparentemente privada, porque quando entrei para a FFC o assunto também se tornou público. E mais uma vez, me desculpem por não ter conseguido – apesar de ter sido pago por um ano com o dinheiro de vocês – ter revertido esse quadro. De qualquer modo, tentei, internamente, várias vezes, emplacar o projeto que todos esperavam, que é acabar de vez com a política de governo para a cultura e transformá-la numa bela legislação, que atenda a todos, sem discriminação, e a transformando em uma questão de estado, que é patrimônio de todos, não meu, nem seu, nem do senhores Dário Berger e Luiz Henrique, porque o governos desses senhores, não tenham dúvida, um dia vai acabar. Mas o filme (ainda que possa não se gostar dele sob o ponto de vista estético, até porque não tem todo esse propósito) será minimamente lembrado como um ato de resistência à truculência, ainda que pequeno, mas corajoso, muito corajoso.
Abraços
Fábio Brüggemann"
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